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TERRORISM


A TRAVÉS acompanha a trajetória de uma mulher que busca conhecer e compreender seu pai a partir de objetos, escritos e negativos fotográficos deixados por ele. Com o golpe civil militar de 1964 ele foi cassado, condenado à prisão e por anos proibido de exercer sua profissão de jornalista e fotógrafo. Sua brilhante carreira profissional e política foram interrompidas bruscamente e a família sofreu consequências avassaladoras.

Isolado na própria solidão, nunca contou sua história aos filhos. Após a sua morte em 2014, justo o ano em que o Golpe no Brasil completava 50 anos, a família tem um primeiro contato com o que ele deixou, e que até então permaneceu escondido em um quarto/porão que permanecia trancado. Ao entrar no quarto ela encontra fotos, cartas, artigos de jornal, muitos negativos e cópias fotográficas. Fica então obcecada em desvendar esse passado e assim talvez compreender o silêncio daquele pai. Procura nesses materiais e também na Internet, em arquivos do DOPS, jornais, biografias. 

 

Em “A Poética do Espaço”, Bachelard nos fala da importância e simbolismo dos cômodos das casas de nossa infância. Uma casa que contém um cômodo trancado, proibido, representa na psiquê um lugar inacessível.


Mais do que contar sua história política, a obra tentará mostrar a angústia de viver com esse vazio que é não conhecer o próprio passado e os percalços dessa busca. Uma história comum, de uma família comum, mas que mostra como as ditaduras interrompem vidas, mesmo as daqueles que não são vistos como heróis, que não foram exilados, torturados ou assassinados. 

À TRAVERS  está entre a ficção e o documentário e pretende se utilizar de documentos reais, porém com um viés ficcional. A autora pretende se utilizar destes objetos deixados para criar cenas simbólicas. Neste contexto estes elementos tornam-se personagens que compõe essa história, e que trazem consigo a memória pessoal da personagem, da sua família e também de um país que sofre até hoje as consequências de ter tido roubada a própria memória.

A ideia é também se utilizar de projeções de fotos e vídeos, já que o universo do pai era preenchido por esse tipo de imagens. Esse recurso pode proporcionar um contraste muito representativo. 


« O que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. »
Roland Barthes

 

 

 

"Essas lentes viram muita coisa. Coisas belas e outras horríveis acho. Mas isso era o mundo particular, do qual a gente não fazia parte. Não. Segredo absoluto. Muita coisa eu só soube depois que ele morreu. Outras eu jamais vou saber. Foi assim com a história da condenação. Só soube depois da morte dele. Pra mim, usar a câmera do meu pai é como se eu tivesse vendo o mundo através dos olhos dele."

 

Cristina Cavalcanti
 

A partir de memórias pessoais da minha infância, somadas a sonhos muito impactantes que tive após a morte do meu pai e sentimentos contraditórios, tive a ideia de escrever sobre isso, que é um sentimento muito comum à minha geração. A falta de consciência política e de conhecimento histórico. 

Estudei em escola pública na época do regime militar e meus estudos de história naquela época foram débeis. Através de alguns livros que pegava nas prateleiras de meu pai fui desenvolvendo um gosto por essa disciplina, mas fui conhecer verdadeiramente a História do Brasil muito mais tarde, nas faculdades de Arquitetura e Teatro, e em outros livros que busquei para esse fim.

O silêncio e o apagamento não eram casuais no Brasil. Era uma prática. Quantas pessoas foram silenciadas, sendo exiladas, torturadas, desaparecidas? Até hoje há mães que procuram pelos corpos dos filhos. O silêncio de meu pai quanto ao assunto também não. Era um risco para a família, e era uma forma de nos proteger. 

 

Por que tratamos nossos registros históricos com tanto descaso? A quem interessa um país sem memória? Um povo que não conhece seu passado, que não compreende suas referências e suas origens, perde a chance de reparar seus erros históricos e não é capaz de trilhar seu caminho a um futuro de respeito aos direitos humanos e à democracia.

O problema de não cuidarmos, enquanto nação, de nossa memória é que perpetuamos estruturas de violência e opressão. Quando nos negam o direito de conhecer o passado, nos tiram também a possibilidade futura de transformação e de justiça. 

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